Brasil

A Independência além do grito do Ipiranga

Quando pensamos em 7 de setembro, a imagem que vem à mente é quase sempre a do príncipe Dom Pedro às margens do Ipiranga, proclamando a famosa frase “Independência ou morte!”.

Colônia de Portugal

Essa cena, imortalizada pela pintura de Pedro Américo, se tornou o símbolo oficial da emancipação do Brasil. Mas, como lembra o professor Mario Marcondes, da Plataforma Professor Ferretto, em entrevista, a verdadeira história é bem mais complexa.

A independência não foi um ato isolado de um herói, mas um processo longo e conflituoso que envolveu batalhas, negociações e a participação de diferentes grupos sociais. Negros, indígenas, mulheres, camponeses e soldados tiveram papel decisivo nesse período, ainda que muitas vezes invisibilizados pela narrativa oficial.

Exemplos como Maria Quitéria, que se disfarçou de homem para lutar na Bahia, ou os milhares de negros escravizados e libertos que compuseram a linha de frente das batalhas, mostram como a independência foi marcada pelo protagonismo popular.

Conflitos como a Batalha de Pirajá, na Bahia, ou o sangrento embate no Jenipapo, no Piauí, revelam que o rompimento com Portugal esteve longe de ser pacífico.

Enquanto no Brasil o mito do Ipiranga foi consolidado para legitimar a monarquia, em Portugal a perda da colônia representou um duro golpe econômico e político, acelerando a decadência do império colonial.

Revisitar essa história é fundamental para entender que o 7 de setembro foi apenas o início de uma luta maior, feita de sangue, resistência e coragem coletiva, muito além da cena pintada nos livros escolares.

A cena do “grito do Ipiranga”, eternizada pela pintura de Pedro Américo, se tornou a imagem oficial da independência. Mas por que essa versão simplificada foi privilegiada pela história oficial?

Para o professor Mario Marcondes, a simplificação do processo histórico para permitir a identificação do processo pela população é a causa principal. A Independência do Brasil foi resultado de um processo longo e complexo, que envolveu pressões internas (movimentos regionais, insatisfação das elites, tensões sociais) e externas (corte portuguesa, Inglaterra etc.). Ao escolher uma única cena, a narrativa ficou mais clara e fácil de ser transmitida, sobretudo no ensino e na construção de uma memória nacional.

A criação de um herói, que pudesse atrair apoio para a monarquia, também foi importante para a simplificação.

A pintura exalta a figura de D. Pedro I como protagonista absoluto, transformando-o em herói fundador da nação. Isso era conveniente para legitimar a monarquia e reforçar a ideia de que a independência foi um gesto voluntário e nobre de seu imperador, e não resultado de lutas populares.

A participação popular no 7 de setembro

Quando perguntado sobre como a história tradicional destaca Dom Pedro e as elites, mas pouco fala da participação popular, então quais foram os grupos sociais mais ativos na luta pela independência, o professor responde:

A história oficial costuma dar ênfase à figura de Dom Pedro e às elites agrárias e comerciais, mas vários grupos populares participaram ativamente das lutas de independência, muitas vezes em batalhas decisivas. Os principais foram:

  • Soldados e milícias locais – Formados em grande parte por pessoas pobres, mestiços, negros e indígenas. Lutaram em conflitos diretos, como na Bahia (Batalha de Pirajá, 1822-23).
  • Mulheres – Atuaram como apoiadoras logísticas (cozinhar, costurar fardas, cuidar de feridos), mas também algumas participaram diretamente, como Maria Quitéria, combatente baiana que se tornou símbolo.
  • Negros livres e escravizados – Muitos foram recrutados ou se alistaram com a promessa de liberdade. Na Bahia e em Pernambuco, sua participação foi decisiva.
  • Índios – Engajaram-se em algumas regiões, principalmente como soldados auxiliares, embora muitas vezes fossem explorados nesse processo.
  • Camadas urbanas pobres (artesãos, trabalhadores, pequenos comerciantes) – Apoiaram levantes, protestos e batalhas nas cidades, especialmente em Salvador e no Rio de Janeiro.

Mas então qual foi o papel das mulheres nesse processo, especialmente figuras como Maria Quitéria?

Disfarçada de homem, Maria Quitéria conseguiu se alistar no Regimento de Artilharia em 1822. Lutou em batalhas importantes contra tropas portuguesas na Bahia, destacando-se por coragem e disciplina.

Ela foi promovida a alferes (equivalente a segundo-tenente) e, posteriormente, recebeu de Dom Pedro I a Ordem Imperial do Cruzeiro, tornando-se símbolo feminino da independência.

O papel dos escravos na independência do Brasil

Em entrevista, o professor ainda diz que a participação de negros escravizados e libertos foi fundamental para a conquista da independência, principalmente nas batalhas decisivas contra os portugueses.

Grande parte dos soldados que lutaram na Bahia (1822–23), no Pará e em Pernambuco eram negros, escravizados ou libertos.

Muitos lutaram pela promessa de liberdade. Em alguns lugares, escravizados receberam a promessa de alforria caso se alistassem ou se lutassem pelo Brasil.

Eles formaram a base das tropas populares, já que as elites preferiam financiar a guerra do que participar diretamente dos combates.

Um exemplo importante foi a Batalha de Pirajá, 1822, na qual a maioria dos combatentes era formada por negros e mestiços; sua resistência foi crucial para a expulsão das tropas portuguesas em julho de 1823.

Batalhas decisivas da Independência 

  • Batalha de Pirajá (1822 – Bahia)

Maior confronto da guerra de independência, tropas brasileiras (em grande parte negros, mestiços e populares) enfrentaram os portugueses nos arredores de Salvador.

Resultado: resistência brasileira garantiu a retirada progressiva das tropas portuguesas.

  • Cercos e batalhas na Bahia (1822–1823)

Salvador era o principal reduto português. Houve diversos combates, culminando na retirada definitiva dos portugueses em 2 de julho de 1823, data considerada a “verdadeira independência” na Bahia.

  • Campanhas no Grão-Pará (1823) 

Região estratégica, ligada ao comércio com Portugal. Parte da elite local resistiu, mas tropas brasileiras e pressões populares garantiram a adesão à independência.

  • Campanhas no Maranhão (1823)

Maranhão tinha fortes vínculos com Lisboa. A resistência foi derrotada por forças brasileiras com apoio da marinha inglesa.

  • Combates em Pernambuco, Piauí e Ceará (1822–1823)

Revoltas e batalhas regionais asseguraram a adesão das províncias do Nordeste. No Piauí, destaca-se a Batalha do Jenipapo (1823), onde populares lutaram bravamente, mesmo mal armados, contra tropas portuguesas.

Os impactos da independência do Brasil 

Para Mario Marcondes, a independência brasileira foi um duro golpe para Portugal. Acelerou a crise política, aprofundou conflitos entre liberais e absolutistas e consolidou a dependência econômica em relação à Inglaterra.

Socialmente, trouxe empobrecimento e instabilidade, marcando a decadência do império colonial português.

A Coroa e comerciantes portugueses perderam os privilégios sobre o comércio com o Brasil, o que gerou crise econômica.

O fim da exploração exclusiva da colônia agravou a pobreza e a instabilidade em Portugal, já fragilizado desde a invasão napoleônica (1807) e a transferência da corte para o Rio de Janeiro (1808).

Assim, a perda do Brasil enfraqueceu o poder da monarquia absolutista lusitana, alimentando o movimento liberal.

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