A relação entre arquitetura e história é uma ótima forma de criar experiências memoráveis no setor hoteleiro. Os grandes hotéis do século XIX estabeleceram um padrão de luxo e funcionalidade que ainda ecoa na hotelaria moderna.
Para entender melhor essa evolução, entrevistei Thomas Michaelis, CEO da Michaelis Arquitetos Associados, que compartilhou sua visão sobre a influência dos estilos arquitetônicos históricos, as inovações introduzidas pelos hotéis icônicos e os desafios de adaptação para os tempos atuais.
A influência dos grandes hotéis do século XIX na hotelaria moderna
Os grandes hotéis do século XIX, como o Savoy Hotel, eram marcados por uma arquitetura luxuosa e sofisticada. Com fachadas ornamentadas, inspiradas no estilo clássico e Beaux-Arts, esses hotéis impressionavam pela grandiosidade. O hall de entrada era sempre imponente, com tetos altos, lustres de cristal e escadarias elegantes.
No interior, o uso de vidro e ferro, como claraboias, e a decoração rica em detalhes, como móveis de luxo e espelhos dourados, eram comuns. O Savoy, inaugurado em 1889, é um exemplo perfeito desse estilo, combinando elegância clássica e inovações da virada do século.
Pergunta: Como o design arquitetônico dos grandes hotéis do século XIX, como o Savoy Hotel, influenciou o conceito de luxo e funcionalidade na hotelaria moderna?
Thomas Michaelis:
O luxo, ao longo da história, sempre refletiu o anseio da humanidade de representar status social através de objetos e experiências. A hospedagem não fugiu a essa lógica.
Os hotéis do século XIX foram projetados para oferecer um ambiente que compilava a estética e a sofisticação da época, o que se refletia nos espaços amplos, nos detalhes ornamentais e no mobiliário cuidadosamente escolhido.
Não seria diferente imaginar que, na hospedagem, onde os projetos arquitetônicos e a decoração compilavam essa atmosfera, ele também se fizesse presente – ainda que para poucos, na verdade, no exercício da hospedagem.
No Savoy de Buenos Aires, por exemplo, onde realizamos algumas modernizações, percebemos essa essência ainda muito presente. Embora tenham sido adicionadas áreas como fitness centers e os quartos tenham sido renovados, a sofisticação da entrada e dos espaços comuns ainda remete ao luxo original.
A generosidade dos espaços e o requinte dos detalhes são elementos que permanecem como referência. No final das contas, o design do Savoy e de outros grandes hotéis do século XIX influenciou a hotelaria porque representava os movimentos artísticos consumidos pela elite. Mais do que um local de hospedagem, esses hotéis eram verdadeiros centros culturais e sociais.
Inovações do século XIX que permanecem na hotelaria atual
Pergunta: Quais foram as principais inovações introduzidas por hotéis icônicos do século XIX que continuam a ser relevantes ou reinterpretadas na hotelaria de hoje?
Thomas Michaelis:
No século XIX, houve uma mudança importante na concepção dos hotéis: as acomodações privadas começaram a surgir. Antes, muitas hospedagens tinham quartos compartilhados, mas, com essa inovação, os hóspedes passaram a contar com espaços exclusivos e banheiros privativos.
Foi também nessa época que os amenities começaram a ser introduzidos. Algo tão comum hoje, como sabonetes e produtos de higiene oferecidos pelos hotéis, era uma grande novidade naquela época.
Além disso, surgiram serviços como mensageiros, que entregavam correspondências e ofereciam cortesias.
Do ponto de vista arquitetônico, muitos hotéis incorporaram estilos icônicos como o neoclássico e o Art Nouveau, que reforçavam a identidade visual e o luxo da época. Esses estilos ainda influenciam a hotelaria moderna, seja em projetos que mantêm elementos históricos ou em novas construções que reinterpretam esses conceitos.
O papel da arquitetura histórica na experiência de luxo
Hotéis com arquitetura histórica, como o Savoy em Londres, oferecem não apenas conforto, mas uma imersão na cultura e história do local, proporcionando uma experiência única. A fusão entre o clássico e o moderno, com o uso de tecnologia avançada sem perder o charme atemporal, garante que o luxo seja vivido de maneira completa, equilibrando passado e presente.
Pergunta: Muitos desses hotéis incorporaram estilos arquitetônicos icônicos, como o neoclássico e o Art Nouveau. Como você avalia a importância de estilos arquitetônicos históricos na criação de uma experiência de luxo?
Thomas Michaelis:
Acredito que um espaço luxuoso moderno não precisa se abastecer exclusivamente de ícones históricos.
No entanto, se houver uma relevância cultural ou geográfica, como em áreas tombadas, faz sentido preservar e adaptar esses estilos.
Um bom exemplo é o Centre Pompidou, em Paris. As fachadas ao redor foram mantidas, mas os interiores foram totalmente modernizados. Isso demonstra como é possível preservar externamente um patrimônio histórico sem abrir mão da inovação.
Além disso, certos elementos arquitetônicos podem ser reinterpretados. Hoje vemos, por exemplo, colunas que não são estruturais, mas servem como elementos estéticos e rememoram a grandiosidade da Roma Antiga. Isso mostra como a história pode inspirar o presente sem precisar ser copiada literalmente.
Os desafios de adaptar hotéis históricos às demandas modernas
Pergunta: Muitos hotéis históricos ainda estão em operação. Quais são os maiores desafios para adaptar essas construções às demandas modernas, especialmente em termos de sustentabilidade?
Thomas Michaelis:
A sustentabilidade nos hotéis históricos está diretamente ligada ao consumo eficiente de recursos como água e energia.
Em muitos casos, podemos substituir lâmpadas convencionais por LEDs, instalar sistemas mais eficientes de ar-condicionado e otimizar o descarte de resíduos. No entanto, algumas mudanças são mais complexas. Nem sempre é possível, por exemplo, trocar toda a tubulação para reduzir o consumo de água sem comprometer a estrutura original do edifício.
Mesmo assim, a experiência que esses hotéis oferecem continua relevante. Entrar em um hotel neoclássico ou Art Nouveau proporciona uma experiência quase museológica, transportando os hóspedes para outra época.
A evolução tecnológica na hotelaria: do século XIX aos dias de hoje
Pergunta: Durante o século XIX, a introdução de tecnologias como a eletricidade revolucionou a experiência nos hotéis. Que paralelo você vê entre essa revolução tecnológica e as tecnologias que estão moldando a hotelaria de hoje?
Thomas Michaelis:
Quando a eletricidade foi introduzida, ela era um luxo acessível apenas a poucos. Hoje, vemos algo semelhante acontecendo com a inteligência artificial e outras tecnologias digitais.
Atualmente, os hotéis oferecem comandos de voz, mobile check-in, controle automatizado de iluminação e climatização, entre outras facilidades. O mercado hoteleiro tem muitas semelhanças com o setor de aviação, onde o self check-in e a automatização de serviços se tornaram padrões.
O desafio está em equilibrar a personalização da experiência com a eficiência tecnológica. Afinal, parte da hospitalidade ainda depende do contato humano e da ambientação que a arquitetura proporciona.