Quando pensamos na Guerra Fria, geralmente lembramos de espiões, corrida espacial, mísseis nucleares e discursos tensos entre Estados Unidos e União Soviética.
Mas existe um capítulo curioso, pouco comentado e cheio de cultura pop: a disputa pelo Natal. Sim, até o feriado virou campo de batalha ideológica.
Durante décadas, EUA e URSS transformaram o Natal em propaganda, cada um moldando sua própria narrativa para provar qual sistema político era mais próspero, feliz e superior.
E o resultado dessa briga se espalhou por filmes, músicas, cartões de Natal, símbolos, consumo e até personagens.
O Natal capitalista
Nos Estados Unidos, o Natal foi se tornando, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, uma vitrine do “american way of life”.
Árvores imensas em Nova York, presentes abundantes, vitrines iluminadas, jingles em todo canto e Papai Noel em cada shopping.
O feriado era usado como prova visual de que:
- o capitalismo gerava prosperidade
- as famílias americanas viviam em conforto
- a economia era forte o suficiente para gastar, consumir e celebrar
O Papai Noel também virou propaganda política. Em comerciais, revistas e peças publicitárias, ele era:
- capitalista
- bonachão
- trabalhador
- defensor da “liberdade”
A própria Coca-Cola reforçou essa imagem global ao popularizar o Papai Noel vermelho nos anos 1930 e 40, e durante a Guerra Fria essa figura se tornou parte da marca dos EUA.
O Natal comunista
Na União Soviética, a história foi bem diferente. O governo comunista via o Natal cristão como uma celebração burguesa e religiosa.
Por isso, nos anos 1920 e 30, as festividades foram gradualmente banidas.
Mas, para não deixar o povo sem comemoração de inverno, o governo reinventou tudo.
Nasceu o Ded Moroz, o “Avô da Neve”, acompanhado por sua neta Snegurochka, que entregava presentes durante o Ano Novo, não no Natal. As árvores também deixaram de ser “de Natal” e passaram a ser “árvores de Ano Novo”.
Enquanto os EUA reforçavam:
- consumo
- religião
- abundância
URSS promovia:
- coletividade
- secularismo
- disciplina
Mesmo assim, ambos os lados usavam o período para dizer: “O nosso sistema é o melhor.”
Hollywood x Mosfilm
Se o Papai Noel virou propaganda, o cinema virou arma.
Hollywood espalhou pelo mundo filmes natalinos cheios de esperança, família reunida e abundância. Clássicos como:
- “It’s a Wonderful Life” (1946)
- “Milagre na Rua 34” (1947)
Esses filmes vendiam a ideia de que a felicidade estava em comunidade, bondade… e, claro, em um país onde era possível prosperar.
Durante a Guerra Fria, vários filmes e animações tinham mensagens sutis contra o comunismo, mostrando vilões frios, cinzentos ou autoritários.
Os soviéticos criaram seus próprios filmes de Ano Novo, como:
- “The Irony of Fate” (1976)
- “Morozko” (1964)
Essas produções mostravam valores soviéticos: simplicidade, disciplina, moralidade e igualdade social.
O Ano Novo virou a principal festa soviética, com direito a presentes, decoração e mesa farta, mas sem cristianismo.
Cultura pop como arma
A disputa pelo Natal se manifestou em vários pontos curiosos:
- Cardápios: EUA reforçavam refeições fartas; URSS mostrava ceias modestas e coletivas.
- Cartões de Natal: americanos eram coloridos e comerciais; soviéticos eram seculares e didáticos.
- Propagandas: nos EUA, marcas diziam que consumir era parte do espírito natalino; na URSS, cartazes mostravam trabalhadores celebrando conquistas do ano.
- Brinquedos: enquanto os americanos tinham bonecos militares e produtos licenciados, os soviéticos exaltavam trabalhadores e personagens folclóricos.
No final das contas, o Natal resumiu o clima da Guerra Fria: cada lado tentando mostrar que era mais feliz, mais próspero e mais civilizado.
A vitória cultural dos EUA
Com o fim da Guerra Fria e a queda da URSS em 1991, o modelo americano se espalhou pelo mundo. Papai Noel, renas, filmes natalinos e luzes extravagantes se tornaram padrão global.
Mas a Rússia e outros países pós-soviéticos mantiveram suas próprias tradições e até hoje o Ano Novo é mais importante do que o Natal por lá.
