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Halloween: como o medo moldou o mundo

Desde o início dos tempos, o medo foi uma das forças mais poderosas na formação das civilizações. 

Ele ensinou os primeiros humanos a se protegerem de predadores, a buscarem abrigo e a desenvolverem estratégias para sobreviver. Mas também foi além: o medo moldou nossas crenças, nossas leis e até a forma como contamos histórias. 

Foi o medo do desconhecido que criou deuses e monstros, que deu origem a mitos e que impulsionou o nascimento da ciência, a tentativa humana de compreender aquilo que antes só podíamos temer.

Do trovão interpretado como a fúria divina ao pavor das pestes e guerras que definiram eras, o medo serviu como um mapa emocional da humanidade. Ele nos guiou entre a reverência e o instinto de autopreservação, entre o sagrado e o racional. 

E, paradoxalmente, é justamente essa emoção que tanto evitamos na vida real que buscamos incansavelmente na ficção, nas telas de cinema e até nas festas de Halloween.

Para entender melhor esse fascínio e como o medo ainda influencia nossas vidas, conversei com o escritor Roberto T. G. Rodrigues, que reflete sobre esse sentimento ancestral:

Na sua visão, o que faz com que o medo (uma emoção que normalmente queremos evitar) acabe sendo também uma das mais procuradas nas histórias, no cinema e até nas festas de Halloween?

O medo nos atrai porque nos permite sentir o perigo sem enfrentá-lo de verdade. Ele desperta emoções fortes, quebra a rotina e nos faz perceber o quanto estamos vivos. Vivemos a tensão, o susto e o alívio dentro de um espaço seguro, transformando o que seria angústia em prazer e diversão.

Historicamente, o medo moldou civilizações, de lendas antigas que explicavam o trovão como a fúria dos deuses, até o pavor das pestes e guerras. Que papel o medo teve na construção da nossa cultura atual e das crenças humanas?

O medo foi base para a criação de crenças, regras e costumes. Ele deu origem a mitos e religiões, serviu de guia moral e inspirou o desenvolvimento da ciência, que nasceu da vontade de entender o que antes assustava. Em suma, o medo ajudou a organizar o mundo, impulsionando tanto a prudência quanto o desejo de conhecimento.

Governos, religiões e até marcas já usaram o medo como ferramenta de controle. Você acredita que ainda vivemos sob essa manipulação emocional?

Sim. O medo ainda é um instrumento de poder disfarçado de cuidado. Ele aparece em discursos políticos, mensagens religiosas e até em campanhas publicitárias que exploram inseguranças. A diferença é que hoje ele se espalha pelas telas, moldando opiniões e comportamentos sem que percebamos.

Você acha que o primeiro contato que temos com o medo, como as histórias de monstros contadas na infância, ajuda a moldar nossa imaginação?

Sim. O medo na infância ensina a criar e compreender o desconhecido. As histórias assustadoras estimulam a imaginação, ajudam a lidar com emoções e transformam o terror em curiosidade. Assim, aprendemos a usar o medo como fonte de criatividade e expressão.

O RPG é realmente um exemplo de medo controlado, aquele suspense que desejamos viver mesmo sabendo que é apenas um jogo. O que você acha que essa busca diz sobre a nossa relação com o desconhecido?

Essa busca mostra que tememos e desejamos o desconhecido ao mesmo tempo. No RPG, exploramos o perigo sem correr riscos, testamos nossos limites e transformamos o medo em desafio. Isso revela nossa vontade de entender e dominar o incerto, mantendo viva a curiosidade que nos move.

Ao longo dos séculos, o medo deixou de ser apenas um instinto de sobrevivência para se tornar um espelho da nossa alma coletiva. 

Ele nos inspira, nos protege e, ao mesmo tempo, nos desafia a ultrapassar fronteiras. Talvez o segredo não esteja em vencê-lo, mas em compreendê-lo, porque é justamente o medo que nos faz humanos, curiosos e eternamente em busca do desconhecido.

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